FRANCISCO: O PAPA LIVRE

Artigo escrito por Márcia Alcântara e publicado O POVO em segunda feira 05 de agosto de 2013

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Poder-se-ia começar essas linhas perguntando: será que existe alguém que tenha sido livre, ou seja, livre?
A primeira coisa que surge na mente como resposta é: não, principalmente nesse mundo de globalização em que o consumo é que dita o nosso comportamento, especialmente no mundo ocidental.
Entretanto o Papa Francisco é livre. Poder-se-ia então perguntar: como pode um papa ser livre, se tem que seguir os trâmites protocolares de sua posição enquanto papa que obedece a rituais religiosos, rigores de Governo e Estado?
Papa Francisco, entretanto é filosoficamente livre, e expressa isso muito bem, seja nas suas expressões faciais, comportamentais ou pelo uso da palavra.
Transpirou autenticidade quando sem medo se expos ao risco que as multidões imprimem principalmente se reprimidas: passou de carro aberto (janela abaixada) em frente à Central do Brasil, num hora de muito movimento. Qual celebridade ou milionário passaria por ali senão em carro blindado, com vidros escuros e seus seguranças ao lado?
Demostrou santidade quando se pôs como ser humano livre: vestes simples, sem galões; alimentou-se do trivial; visitou uma casa simples, manifestou desejo de compartilhar da simplicidade referindo-se ao acolhimento com agua fresca e cafezinho; abraçou calorosamente um droga–adicto, sem preconceito.

Seus olhos apertados e sorriso na face falavam de sua alegria, quando junto do povo. Quando os arregalava dizia de sua admiração, espanto, ora pelo belo, ora pela palavra de algum locutor também autêntico. E assim se mostrou livre nos sentimentos e emoções.
Visitou pessoas, abraçou quando desejou abraçar, falou o que quis dizer: essencialmente convocou Deus e expôs seus desejos em prol de todos.
Com desembaraço exibiu atitudes que mudam realidades, e para cada realidade que abordou apresentou o sentido da mudança, ou o que se pode chamar de fé.
O Papa Francisco deu a entender que se encontra em um grande processo em que se aprofunda e refina os atos de fé que lhes guia rumo a Deus.
Pediu humildemente oração para si, porque se sente humano e, portanto capaz de falhar como tal, por isso precisa da força da oração.

A filosofia franciscana está com o Papa Francisco, adaptada aos tempos de hoje: o aceitar Deus, aventurar-se aos seus chamamentos e desafios, permitir que Deus penetre na sua vida que foi o que Francisco de Assis fez durante o processo de transformação durante toda sua existência (Daniel Spoto, em Francisco de Assis – O Santo Relutante).
Na despedida o Papa Francisco manteve-se livre quando disse que estava sentindo saudades de todos, dos atos que praticou e recebeu, como a estupenda acolhida do povo brasileiro ao seu chamamento. Foi embora maravilhado.

Márcia Alcântara, cinco de agosto de 2013 – no O POVO

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Dra. Márcia Alcântara Holanda
Médica Pneumologista e escritora.
Coordenadora do Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter
pulmocentermar@gmail.com

O campo minado da nossa velhice

O corpo envelhecido também é conhecimento e liberdade

Domingo passado, Rita ligou dizendo que sentiu a pancada da velhice. Teve uma crise grave de hipertensão arterial (HSA), foi internada e recebeu alta no dia seguinte com prescrição de medicação de uso contínuo e recomendação de mudança no estilo de vida. Uma mina explosiva estava instalada em seu sistema arterial e ameaçou detonar, quem sabe, no cérebro, levando-a a paralisias corporais.

Combinamos caminhar na Beira Mar para hablar sobre isso. Logo falei:

“Rita, no envelhecimento, a vida pode seguir tranquila, mas com cautela. Afinal, podemos tropeçar e cair, pois o equilíbrio já está minado pela idade. Às vezes, falta memória até para achar os óculos que já estão no rosto.”

Rita respondeu:

“É o corpo que desvela a velhice, não é?” — citando a frase célebre de Simone de Beauvoir, no livro A Velhice.

“Sim,” disse eu. “São dezenas de espécies de minas explosivas e destrutivas que, de um momento para outro, se instalam nos sistemas corporais ao longo da vida. Elas vão da hipertensão ao diabetes, das doenças cardíacas às demências. As defesas se arrastam em câmara lenta para controlar, por exemplo, uma simples infecção viral, que pode detonar uma ‘mina’ de infecção grave, às vezes levando-nos à morte, como na COVID-19.”

Na juventude, o corpo é quase infalível. Na velhice, porém, nossas escolhas — os momentos de alegria, felicidade, tristeza extrema e infelicidade — armam as tais minas de alto poder explosivo, como a HSA. Cada sensação deixa sua marca. Entre bons e maus eventos, há “minas” plantadas no solo das nossas vidas, muitas vezes por nós mesmos, pela sociedade consumista ou, simplesmente, pelo desgaste natural das células com o envelhecimento. Quase todas — do desequilíbrio que leva à queda até uma demência — podem ser desativadas. Um exemplo? O controle da asma, possível com drogas específicas ou apenas com a eliminação de irritantes inalatórios ambientais (Global Initiative for Asthma, GINA 2023).

Rita, efusiva, disse:

“Dear, nem tudo é esforço e sofrimento. O corpo envelhecido também é conhecimento e liberdade. A liberdade radical de Sartre nos dá a maior chance de viver como queremos, gostamos e podemos. Nossa escolha é absoluta. Cabe-nos fazê-las com estilo e autocuidado! O corpo nos ensina a respeitar limites, a valorizar momentos simples, como a brisa no rosto que vem desse mar, ou o esplendor de uma conquista, por menor que seja. O risco sempre estará presente, mas basta reconhecê-lo e controlá-lo.”

Riobaldo já advertia:

“Viver é muito perigoso” (Grande Sertão: Veredas, João Guimarães Rosa, 1956). É maravilhoso!

Encerramos a caminhada. Rita então perguntou:

“Bora tomar uma cervejinha?”

E eu respondi:

“Mulher, uma deliciosa, supergelada cervejinha sem álcool vai bem para brindarmos à nossa velhice!”

Chegando em casa, veio o banho relaxante, seguido de uma sopa nutritiva e um pãozinho fresco. Tudo isso com um olhar atento por onde pisar, desviando-nos das nossas “minas explosivas”.


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Publicado 01:00 | dez. 1, 2024 Tipo Notícia (Ciência e Saúde)

Fonte: https://mais.opovo.com.br/jornal/ciencia-e-saude/2024/12/01/o-campo-minado-da-nossa-velhice.html

Dra. Márcia Alcântara Holanda
Médica Pneumologista e escritora.
Coordenadora do Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter (PRPP)
pulmocentermar@gmail.com



Velha sim, mas a identidade é nova

De um País jovem, cuja idade média dos brasileiros era de 29 anos há 15 anos, hoje temos uma média de 35 anos

Indo com Rita assistir ao filme A Substância, logo percebemos que a razão de estarmos ali, era por causa da mídia que enfocou o filme sobre a velhice e a ditadura da eterna juventude para mulheres mais velhas. Rita advertiu: “o Brasil está envelhecendo”. De um País jovem, cuja idade média dos brasileiros era de 29 anos há 15 anos, hoje temos uma média de 35 anos (Fonte: IBGE). Então o Brasil já é um país adulto! E de certa forma, envelhecido.

Concordei, pois sem se importar com a maturidade e a velhice, que se achega de forma ininterrupta, o País ainda não se estruturou para esse envelhecimento. “Precisa de uma nova identidade,” eu disse e Rita concordou: “Sim, se essa nova identidade para o País e para os idosos não for estabelecida e universalmente reconhecida, essa leva de idosos que em 1940 tinha expectativa de vida de 45 anos, e em 2020 subiu para 76,8 (Fonte: IBGE) continuará invisibilizada. Muitos ainda vêm essa geração apenas como os quem têm prioridade nas filas e que atrasam a vida social e familiar dos outros”

Esse preconceito contra os idosos, o etarismo, está enraizado e urge que comecemos a construir uma identidade sólida para a velhice brasileira.

Falei: “Rita, percebi a chegada da velhice como uma pancada: uma apresentação abrupta à finitude. Não tão clara nem de horizonte tão definido como o da cor esmeralda do nosso mar.”

Rita respondeu: “Para mim, não está claro também, mas já sinto dificuldades para atividades antes normais” Falei: “Sua hora chegará”. Eu decodifiquei para mim boa parte da vida que desaguou nessa nova identidade: declarei-me livre, dona do meu nariz, portadora de doenças crônicas, câncer e vícios nocivos à vida, mas controlados.

Ainda estou saudável, andarilha assumida, apaixonada por leitura e escrita, fascinada por palavras em si, namoradeira, apreciadora de uma culinária que não vi em nenhum programa de MasterChef: sem condimentos, mas bem nutritiva e saborosa. Praticante assídua do autocuidado. “Fui moldada para ser velha! Portanto, estou com identidade nova, dear Rita!”

Ela perguntou: “Mas nada sobrou do passado?”

Falei: “Sim! Carrego a formação de uma vida e sua essência: de criança aventureira à adolescente confusa sobre sexualidade. De adulta com maternidade e trabalho árduos, enfrentando perdas e conquistas. Escalando muitas pedras no caminho – das de Drummond. Acima de tudo, fui médica, cuidando bem de vidas com grande
empenho e emoção”

Dia desses, ao reler Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (1956), encontrei esta fala “bem atual” de Riobaldo: “Mais importante e bonito do que tudo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas, mas que elas vão sempre mudando.” “E com identidade nova, né?”

Ela respondeu: “Êita, o filme vai começar!”


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Publicado 01:00 | nov. 3, 2024 Tipo Notícia (Ciência e Saúde)

Fonte: https://mais.opovo.com.br/jornal/ciencia-e-saude/2024/09/22/corpo-velho-numa-vida-livre.html

Dra. Márcia Alcântara Holanda
Médica Pneumologista e escritora.
Coordenadora do Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter (PRPP)
pulmocentermar@gmail.com

Corpo velho numa vida livre

“A velhice carece de descanso, mas é nesse descanso que o pensamento se acalma e ganha novas formas”

Minha amiga Rita e eu, entre um gole de café e outro, dias atrás, voltamos a conversar sobre a velhice: suas possibilidades e entraves. Eu dizia que ela é viável e livre, mesmo com o corpo entremeado de limitações extremas. Rita, percebendo meu corpo envelhecido, pediu-me explicações. Acessei minha vida com intensidade e comecei falando de quando parei de clinicar, aos 79 anos. Sentia-me cansada e queria mais tempo para ler e trabalhar com as palavras. Havia me aposentado do serviço público, assim como Riobaldo em Grande Sertão: Veredas quando diz: “Vivi puxando difícil de difícil. Agora, feita a folga que me vem, e sem pequenos desassossegos, estou de range rede, me inventei nesse gosto de especular ideia”.

Expliquei também que “A velhice carece de descanso, mas é nesse descanso que o pensamento se acalma e ganha novas formas” como ele falou. Foi o que fiz, mesmo com a velhice aos 82 anos, marcada por cinco doenças crônicas controladas e, há um ano, por um câncer de elevada malignidade.

Com essas marcas físicas e emocionais, observei a vivência de personagens de livros clássicos e encarei-me com atenção ao deparar-me com a finitude. Segui o exemplo de Riobaldo: mergulhei nas águas profundas do pensamento consciente, fiz breves pausas para um respiro às percepções e emoções que os feitos da minha vida até então me trouxeram. Em cada respiro, analisei o que construí: vidas salvas, família sustentada pelo trabalho árduo. Vi também os erros e sombras que me acompanharam — amizades desfeitas, comportamentos que feriram relações familiares e profissionais, e vícios que embotaram as emoções e traumas do passado.

Enfrentei essa travessia e emergi com um novo entendimento. Ao me deparar com esse desvelar senescente e um corpo minado, conheci minha essência e, com isso, conquistei uma liberdade plena — quase absoluta. Meu ser-em-si e ser-para-si, como diria Sartre, foi atualizado para a velhice. Percebi que um corpo velho e doente pode, sim, ser livre: para o que desejarmos fazer: do amar ao cuidar-se, ao divertir-se e emocionar-se, ao viver pleno. Ele impõe limites, mas dentro deles há liberdades absolutas.

“Como?”, questiona Rita. Citei-lhe um exemplo de Simone de Beauvoir em Cerimônia do Adeus, posição 698 no Kindle, quando Sartre passou anos recusando uma dentadura por causa de gengivas abcedadas. Ele dizia que uma dentadura inviabilizaria sua fala. Considerava a velhice inviável, mas quando falar se tornou impossível, ele a aceitou. Dois dias depois, comentou sobre o ajuste: “Foi maçante, mas eu só pensava nos meus dentes, e estava tão contente!” Beauvoir acrescenta: “Havia nele um cabedal de saúde física e moral que resistiu a todos os golpes, até as últimas horas.” Assim, cai por terra a inviabilidade da velhice que ele tanto apregoava. Tilintamos nossas xícaras ao final.

Fonte: https://mais.opovo.com.br/jornal/ciencia-e-saude/2024/09/22/corpo-velho-numa-vida-livre.html

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Publicado 01:00 | set. 22, 2024 Tipo Notícia (Ciência e Saúde).

Dra. Márcia Alcântara Holanda
Médica Pneumologista e escritora.
Coordenadora do Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter (PRPP)
pulmocentermar@gmail.com

Programa realiza caminhada pela vida

O evento é realizado pelo Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter (PRPP).

As sequelas deixadas pelo fumo e outras doenças às vezes são difíceis de lidar, mas existem vários tratamentos e ações. Com o intuito de motivar as pessoas com doenças pulmonares graves, crônicas e com limitações para as atividades diárias da vida, a pneumologista Márcia Alcântara promove nesta quarta, 4, o “Caminhando, Inspirando e Expirando pela Vida”. O encontro está previsto para acontecer na Barraca Ponto do Guaraná (Av. beira em frente ao nº 3680, às 7h30, com 1,5 km a ser percorrido.

Foto: Arquivo pessoal Encontro promovido pelo Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter

O evento já está em sua quarta edição e é exclusiva para idosos do Programa de Reabilitação Pulmonar do Pulmocenter (PRPP). “O nosso objetivo é o de congregar pessoas com as mesmas faixas etárias e com essas limitações para um encontro lúdico e de intenso relacionamento coletivo por uma vida melhor”, afirma Márcia Alcântara, também coordenadora do PRPP.

A médica explica que o movimento da caminhada melhora a capacidade pulmonar e cardiovascular, ou seja, atividades ao ar livre, especialmente essa, promovem o fortalecimento dos músculos respiratórios, ajudando a aumentar a resistência física e melhorar a eficiência respiratória.
“Há também o contato com a natureza, estar ao ar livre, com efeitos comprovados na redução do estresse e na melhora do bem-estar mental, o que é crucial para idosos em um PRP. As caminhadas em grupo incentivam a socialização, combatendo a solidão e promovendo um senso de comunidade entre os participantes”, pontua.

O PRP é um conjunto de intervenções terapêuticas baseadas em exercícios físicos supervisionados, educação e suporte psicológico destinados a pessoas com doenças pulmonares crônicas. Ele é realizado para melhorar a capacidade funcional, reduzir a dispneia — falta de ar — e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

O Programa de Reabilitação Pulmonar é indicado para pessoas com doenças pulmonares crônicas, como DPOC, fibrose pulmonar, asma grave, bronquiectasias e, para aqueles que sofreram com a COVID-19 e ficaram com sequelas respiratórias, como fibrose pulmonar e falta de ar persistente. Pacientes em idade avançada, entre 60 e 94 anos, também se beneficiam.(Rafael Santana)

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Publicado 01:00 | set. 1, 2024

Fonte: https://mais.opovo.com.br/jornal/ciencia-e-saude/2024/09/01/programa-realiza-caminhada-pela-vida.html