O desmembramento de Fidípides

Varava sertões, matas, vales, serras, veredas.. Animava-se com seu currículo de mais de dois mil quilômetros

Fidípides foi o apelido dado ao meu pé, por meu corpo/mente numa alusão aos feitos maratônicos do soldado ateniense. Segundo o historiador Heródoto, Fidípides foi enviado a Esparta antes da batalha de Maratona, em 490 a.C, em busca de ajuda. Chegou a Esparta um dia depois de correr uns 200 quilômetros. Ufa! Fidípides, agora é “o meu pé”. Um pé que era andarilho confesso, dono de grande flexibilidade. Era ágil, exercitava-se regularmente, realizava grandes travessias e vencia obstáculos próprios, encontrados nos entremeios da natureza e das construções urbanas. Varava sertões, matas, vales, serras, veredas. Saía e adentrava grutas… Animava-se com seu currículo de mais de dois mil quilômetros percorridos, passo a passo.

Fidípides foi ao delírio quando caminhou pelas calçadas em Toronto, no Canadá. Elas são amplas, planas e antiderrapantes. Ele confessou em pensamento que queria morar numa cidade de calçadas como aquelas. Entretanto Fidípides morava em Fortaleza e por ali ficaria. Uma população que, com certeza, enxerga todas as armadilhas e mazelas armadas pelas ruas e avenidas da cidade. (O POVO – 9/3/2014, pág. 25).

Era quase inacreditável que Fidípides houvesse enfrentado desafios em terrenos íngremes e irregulares sem sofrer um só machucado. Por isso resolveu juntar-se a um grupo de pés, que como ele gostava das superações de suas energias andarilhas. Não é que tomou gosto! Apreciou lugares extremos. Sombreou-se sob as copas das árvores da caatinga em São Raimundo Nonato, no Piauí. E lá teve um surpreendente encontro com uma família de macacos pregos, abrigada no topo de um gigantesco lajedo.

Fidípides admirou-se com a dança sinuosa das cobras cipós e lagartos em plena caatinga jaguaribana. Viu saltos de caninanas, na Serra da Pacatuba, e vislumbrou a ceia de lobos guarás no Parque Nacional do Caraça, em Minas. Ele pisou em relvas e andou sob elevadas árvores, nas veredas de Diadorin, de Guimarães Rosa. Pisou nu nas areias de infindas praias, galgou terrenos íngremes e pedregosos para enfim banhar-se em cachoeiras de águas cristalinas. Visitou São Francisco no Canindé cearense e Padre Anchieta no Espírito Santo.

Enfim, Fidípides esteve em romarias de mais de 100 km cada. Era leve e saudável, mas se desmembrou da perna, partiu a fíbula. Tudo isso recentemente, aqui em Fortaleza, em uma queda provocada por uma calçada desnivelada e escorregadia. Hoje estamos parados no tempo e no espaço, eu e Fidípides, dedicados a uma recuperação. Sob a égide de médicos e fisioterapeutas hábeis. Nós dois ainda sonhamos com calçadas dignas.

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DraMarcia

Dra. Márcia Alcantara Holanda
Médica Pneumologista
Coordenadora da Comissão de Asma da SCPT
pulmocentermar@gmail.com

Fonte: O povo

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